15.8.06

Quando Martina Navratilova perdeu a mística


Francamente não sei se é prerrogativa das tenistas possuírem os nomes mais ridículos do mundo da alta competição (ou se sucede o mesmo com todas as habitantes de Leste), mas decidi organizar o meu próprio ranking e se tentarmos repetir estes nomes sem pausas significativas constatamos que alguém andou a brincar com as fichas de inscrição: Elena Bovina, Mashona Washington, Maria Sharapova, Galina Boskovoeva, Na Lia, Natália Vainasova, Kim Clijsters, Elena Dementieva, Daniela Hantuchova, Viktoria Kutuzova, Flavia Pennetta, Dinara Safina, Vera Dushevina, Tiantian Sun e Anna Smashnova (nome artístico, dir-se-ia...).

Raúl Castro

Foto rara, captada recentemente.

Limpeza a seco


Um dos feitos mais relevantes de Fidel Castro foi a eliminação de um grande número de opositores ao seu regime, fossem eles safardanas da pior espécie, trafulhas de médio calibre ou, porque não, indivíduos honestos com opiniões discordantes ou uma visão diferente do que a transição política deveria ser. Seja qual for o caso, em todas as guerras há baixas civis, como agora se ouve dizer muito, e a limpeza a eito deverá ter ceifado algumas notáveis cabeças. Menos mal, se não há corruptos também não haverá ideólogos comichosos e o discurso será exclusivamente de cartilha oficial. Moral da história? Não há. Os encarniçamentos originam condenados e, em processos revolucionários, condenados originam execuções. Fidel reinou enquanto pôde, impôs um longo e persuasivo “discurso”, mas parece ter chegado a hora de cair da cadeira, salvo seja. Há demasiadas multinacionais neste mundo à espera de trincar aquele pedaço apetitoso de terra e a comédia humana tratará de se desenrolar da forma mais previsível. O dique rompeu-se finalmente, mas fica a convicção de que não há nada como um extermínio calculado para garantir a segurança e a estabilidade governativas, quer como medida profilática para as jovens democracias, quer para proporcionar novos arranques da economia ou dos costumes. De acordo com a generalidade dos observadores, aliás, os inimigos primordiais de Fidel continuarão mortos mesmo depois da queda do actual líder cubano. Fale-se de visão política mas, sobretudo, de uma notável gestão do espaço afectivo.

Filhos da Pública


Nunca a noção de informação requentada esteve tão apurada. A Pública de domingo passado presenteia-nos com dois artigos por demais ansiados: um perfil impávido e quase elogioso de Ann Coulter e uma retrospectiva da carreira de José Cid, figurinha estampada, de resto, na capa da revista. Sobre Ann Coulter já se falou aqui e esta será a última vez, aliás porque a sua condição de sketch humorístico faz prever que a qualquer momento lhe caia sobre a resiliente cornadura um peso de (pelo menos) 500 Kg. Nota ao editor da Pública: mais sexy do que Coulter só um artigo sobre o impacto da aerofagia bovina no efeito de estufa. Desculpem lá, mas para além de as alarvidades inanes desta gaja não terem a menor relevância política, a própria gravidade já se encarregou de fazer ao seu conservadorismo siliconizado o que muitos liberais gostariam de lhe ter feito (e não no sentido bíblico). Por mais abordagens que nos tenham sido dadas deste fenómeno de hype fora do prazo, eu continuo a ver Linda Blair, 30 anos depois de “O Exorcista”, repossuída por um animadíssimo condomínio de demónios, com o crucifixo entalado e a vomitar verde por todo o lado. Não é uma visão agradável. O mesmo se poderá dizer de José Cid. Ele próprio terá sido exorcizado para libertar o talento oculto que o possuía, mas a única coisa que conseguiu foi posar nu com um disco de ouro. Felizmente para o Zé este país está recheado de atrasados mentais promotores de mediocridade que, quando não estão ocupados a urinar sentenças sobre defecações artísticas ou a cozer a bebedeira da noite anterior, se encarregam de ressuscitar os freaks do nacional cançonetismo, como se não estivéssemos com as coronárias suficientemente entupidas de merda e de imobilismo. Enfim. O que há para dizer sobre José Cid? Por mais que galvanize a imaginação, não consigo engendrar nada (problema que não parece ocorrer a estes foliões). Imagino que depois do reaparecimento de Vítor Espadinha tudo seja possível. O impulso erótico latente na obra de José Malhoa (um bocadinho mais de arrojo e metia-se a filha Ana ao barulho)? O rasgo etnológico e o subtexto político no trabalho de Carlos Cunha com Marina Mota? Tudo o que fermente e faça felizes os senhores das opiniões. Badaró, é uma lástima já nos teres deixado. Assistirias, seguramente, à tua época de glória.

5.8.06

G8



Qual nome de metralhadora, a mais moderna e letal arma de extermínio em massa, depois de décadas de Kalashnikov nas mãos erradas. O eixo do mal e respectivo bobo.

Outras guerras



Os nossos representantes não quiseram manifestar-se de forma veemente e frontal sobre o massacre de Caná, demonstração revoltante do mais soez desrespeito pela vida humana. Mais uma prova da falta de dignidade, honestidade e inteligência de uma governação convencida de que campanhas de marketing e um discurso imbecilizante podem tomar conta dos destinos de uma nação. Tanta vaidade e estupidez para um país tão pequeno... Talvez a tragédia não afecte os senhores de fatinho e negociatas dúbias (e tão de repente se deixou de ouvir falar do Primeiro e do Freeport), mas que fossem capazes, nem por mera demagogia, de humanizar o discurso e deixar de piscar o olho a Bush quando vítimas inocentes pagam as facturas da animalidade irracional e da banalização do mal. Com Cavaco, Durão e Sócrates nos poleiros que (não lhes) competem, estamos entregues, sem apelo, ao Triângulo da Bermudas representativo, íman de apelo irresistível para a cretinice reinante.

Isto & Aquilo


The Descent ("A Descida"), de Neil Marshall (2005)

Isto & Aquilo



A Few Small Repairs, Shawn Colvin (1996)

Os nossos valores: Vasco Pulido Valente

O Vasco Pulido Valente escreve bem. Muito bem até. Carrega nos adjectivos pejorativos, mas o traço grosso é, precisamente, a sua habilidade principal. Sucinto e cortante em relação aos assuntos que aborda, sejam a eterna barbárie no Médio Oriente, o estado da nação, a época de saldos ou os transportes públicos, VPV destaca-se pela total ausência de objectividade. A sua prosa, envolta numa névoa de SG Filtro e Jack Daniel's, destila verrina, espelhando uma desagregação pessoal e social que lhe confere um estatuto quase transcendente. É no seu dedicado e aceso pessimismo que encontro resposta para muitas das minhas ânsias – tal como o medo, também a prosa de VPV é irracional. A minha primera leitura no Público, às sextas, é a sua crónica. A irascibilidade é para VPV uma religião, e de tal forma loquaz que nos dá vontade de pontapear a senhora do quiosque e responsabilizá-la pela impossibilidade de conciliação nacional. Vasco faz-nos sentir tão mal que faz bem. Somos todos filhos do Pedro Costa com a Teresa Villaverde. Somos D. Pedro e D. Miguel à porrada, o marechal Junot e a fúria sanguinária dos autóctones, o neo-realismo e as comédias de Arthur Duarte, o Velho do Restelo a navegar no "Barco Negro" com o Diabo vicentino... As crónicas de VPV são, narrativamente falando, uma mise-en-abîme da nossa História. Como tal, de uma coerente incoerência.
Nunca o detestar foi tão perseverante. VPV é o Quixote do negativismo, característica acentuada pela confiança num PSD renovado. O optimismo, em Vasco, é mais mitológico do que a Fénix. E por ser, provavelmente, o português mais azedo de todos os tempos, merece a nossa admiração e o título vitalício de Grande Coalho Nacional.

Clube dos Sociopatas Mortos ou Vivos


Apesar da tentativa de efabulação politicamente incorrecta, o lirismo é algo despropositado, visto que Provenzano devia ser tão "simpático, carismático, honrado e discreto" quanto um pit bull no cio, fechado numa cave durante sete dias a cheirar carne fresca. Com uma notável distinção: Provenzano tinha escolha. De qualquer modo é um bom filão. Motivos não faltam, igualmente carismáticos: Pol Pot, Kim Jong II, Gilles de Rais, Alberto João Jardim?...

Miguel Carvalho dixit

A marmita

Durante 43 anos, Bernardo Provenzano viveu quase no mais completo silêncio. Não usava telefone, não tinha telemóvel. Modernices como computador e internet não faziam parte do seu catálogo de sobrevivência num mundo de sombras. As ordens do mais procurado chefe da mafia siciliana eram rabiscadas em pequenos papéis que nunca se perdiam no caminho até ao destinatário. Assim foi durante décadas, sem que Bernardo deixasse de ser o que se sabe dos mafiosos de alto calibre: implacável.

Em tempos, havia mesmo sido conhecido como «O Tractor», devido à forma como disparava, matava «e fazia o que tinha de ser feito», segundo os jornais. E isto era o que de mais parecido tinha Bernardo com o nosso imaginário cinematográfico da Mafia. No resto, nem alarvidades, nem reuniões familiares, nem exibicionismo de puros e fumaradas.

Foi vivendo quase como um eremita que ele escapou à polícia. Habitava uma casa perto de Corleone – só podia ser um nome assim - na Sicília, na qual praticamente passava o dia. Dormia num saco-cama e as janelas estavam fechadas para que de noite nem uma luz se visse. A família, uma mulher e dois filhos, cumpriam o código de silêncio. E não se davam a outros ares, pelo menos à vista desarmada.

Bernardo era um mafioso monástico, entregue a si próprio e aos seus pensamentos. Não se sabe o que lia. Ou se escrevia algo mais do que os papelitos que marcavam os alvos da Cosa Nostra. Através dos seus manuscritos, ameaçou-se e matou-se. Das mãos de Bernardo saíram, durante anos, as mais epistolares e crueis sentenças de morte. E, talvez, a mais rasurada gestão e lavagem dos proveitos.

Bernardo Provenzano foi detido há dias em casa, depois de décadas de buscas incessantes.

Ainda tentou manter a porta fechada, mas a resistência durou pouco, um quase nada que o colocou entre a resignação e evocações a Deus e à Virgem. O responsável pelo comando operativo da polícia considera que, pela vida que levou, Bernardo está mais livre agora do que nos últimos 43 anos que andou à solta. Suprema ironia, cheia de razão. Na prisão, Bernardo poderá finalmente receber visitas da família. E dormir tranquilo.

Especialista em serpentear por entre as armadilhas montadas ao longo de anos, Bernardo foi denunciado por um saco de compras de um supermercado. Nele, um dos seus filhos levava-lhe a comida feita em casa. O vai-vem do saco traiu Bernardo.

Para mim, Bernardo já era uma figura simpática. Mas mesmo o mais simpático, carismático, honrado e discreto dos mafiosos não deve escapar à condenação pelos seus crimes. Rendo-me, porém: para quem passou tanto tempo preso à sua condição sanguinária, a comida caseirinha devia ser atenuante. Não falo em absolvição. Essa, concordo, só em casos extremos. Ficamos assim: não tomo posição antes de saber o conteúdo da marmita.

Miguel Carvalho, VISÃO ONLINE, 2 de Agosto de 2006

Hoje















Outras pessoas têm carreiras. Eu tenho trajectórias. Outras pessoas têm carros. Eu tenho persistência. Outras pessoas compram exclusivismo. Eu ofereço-o. Outras pessoas têm uma vida. Eu tenho várias.

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