4.7.06

Champô e Amaciador


A todos os familiares descartáveis, a todos os amigos do seu status, da sua inanidade galopante, das suas fantasias rasteirinhas e de onças diversas, a todos os conhecimentos de esquina e a todas as ratazanas por hóspedes que, a seu tempo, provocaram congestões temporais, desinterias verbais e obstrução do entendimento: obrigado. Obrigado pelos mailings aleatórios, obrigado pelas piadas sem graça, obrigado pelas palavras inúteis e pela inutilidade em geral, obrigado pelas intenções porosas, obrigado pelo incentivo rançoso, obrigado pela irrelevância, obrigado pela presunção mal dissimulada, obrigado pelas fodas de alívio, obrigado pelas fodas não facilitadas, obrigado por não estarem, não serem e não servirem. É bom saber que lavei o cabelo de vocês todos. Única mácula: a caspa que ficou.

3.7.06

Queen Meryl



Aos 56 anos, e depois de criar quatro filhos (a mais nova tem 15), Meryl Streep decidiu engrenar a 5ª na sua carreira. Este ano vamos vê-la na pele de uma cantora country em A Prairie Home Companion, fábula de Robert Altman e Garrison Keillor em homenagem à sinceridade perdida de uma certa América rural, vamos ouvi-la como a rainha das formigas em The Ant Bully, dos estúdios de animação da Warner e observar a sua transformação numa Cruella De Vil para o século XXI, sem os excessos e com a complexidade esperada, num retrato timidamente azedo do universo da alta moda, The Devil Wears Prada. Entre críticas entusiásticas ao filme e elogios rasgados ao desempenho de Streep, The Devil Wears Prada está à beira de se transformar num dos maiores sucessos comerciais da carreira da actriz. Mas Ms. Meryl não falha? Aparentemente não. Ao sucesso e diversidade de um longo trajecto profissional, que abrange cinema, televisão e teatro, está associada uma inesgotável energia e uma perene capacidade de renovação. O facto de ser a actriz mais premiada da história do cinema parece revelar-se indiferente para esta mulher de inigualável talento que nunca abdicou de uma vida própria nem das suas opiniões, mantendo uma incrível ética profissional e uma entrega quase juvenil a cada papel que aceita. Meryl Streep é das poucas figuras da constelação cinematográfica que merece um respeito inequívoco, goste-se ou não. Eu gosto e, para mim, os seus desempenhos são o exemplo último de como o excesso de louvores não desvirtua uma grama de convicção pessoal.

Instantâneos de família















Apesar de se falar de universalidade de sentimentos neste retrato de um casamento em frangalhos, a história de Noah Baumbach é muito particular no seu desconcerto. Emanando um amor pelos pais que lima as arestas mais traiçoeiras, "A Lula e a Baleia" tenta reencontrar o regaço materno e a reconciliação familiar colando memórias de disfuncionalidade que oscilam entre a alegria e a tristeza, acabando sempre por resultar em atípicos quadros de ternura. O retrato que Jeff Daniels compõe do intelectual ressabiado procurando nos filhos a caução que já não tem no meio académico é de um realismo incomodativo. Laura Linney, a mulher sufocada pela sombra de um ego agonizante, manifesta de forma exemplar o abandono e a frustração, entre a recusa do seu papel e o amor de mãe-galinha a quem os filhos recorrem como única suporte de estabilidade. Um filme de amores confusos mas intensos, uma demonstração de entrega dos actores e, acima de tudo, um exercício de escrita rico e subtil. Um elemento universal, contudo: um pai intelectual assemelha-se a todos os pais intelectuais.

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